segunda-feira, 2 de julho de 2012


Uma crônica para descontrair:

O FIM DA BATATA FRITA

Cada dia que passa as pessoas se preocupam mais com a qualidade dos alimentos que ingerem. Acho bonito isso. Frutas, legumes, verduras, yogurte, carne de soja e outras coisas ainda mais esquisitas e insossas são consumidas como se fossem o próprio Manjar dos Deuses.
O adoçante virou um aliado, quase como um amuleto. Um salvador. Para muitos, a descoberta do chocolate diet equivale à descoberta da penicilina.
Há louco de todo tipo. Tem gente que até troca receitas de chuchu ao vapor. É sério, soube por fontes limpas.
Tenho que admitir que a mulher, normalmente, é a mais preocupada. Dizem até que quando a serpente tentou Eva, ela resistiu por muito tempo, cedendo somente quando a cobra garantiu que maçã emagrecia. Virou regra.
Mesmo as que ainda não adquiriram uma neurose, ou outra patologia anoréxica qualquer, são incapazes de se livrar da culpa. Após um prato de lasanha, a consciência pesada aumenta ao menos um quilo em qualquer balança.
Calorias, celulites e estrias são monstros atrozes. Inimigos cruéis do biquíni. Por isso não é aconselhável convidar uma gordinha para ir à praia com você. Ela, secretamente, irá implorar a São Pedro para que chova durante todo o feriado.
A única vez que fiz dieta fiquei tão insuportavelmente nervosa que nem eu mesma me aguentei. Nestes dois dias de nervosismo e ansiedade, quis acabar com tudo, principalmente com o que tinha na geladeira. Desisti.
Eu adoro batata frita, toda vez que saio pra tomar um chope com amigos peço uma porção. No entanto sempre tem alguém que olha torto e sugere uma coisa mais leve, tipo um ‘peixinho’. Que peça o peixe! Mas eu não abro mão da batata! Se bem que, se for pensar, porções de torresmo também são excelentes com um chopinho...
Infelizmente, a rejeição ao torresmo chega a ser hedionda. Por um lado os fisiculturistas, por outro os vegetarianos, entre eles a turma do colesterol. Haja saúde pra aguentar tanto esmero!
Concordo com os vegetarianos. Morro de dó dos bichinhos, juro. Alguns estão fora de perigo comigo, o carneiro e coelho, por exemplo. São bonitos demais, parecem enfeites, não comida.
Porém, acho uma crueldade reprimir uma pessoa de desfrutar das delícias quase pecaminosas que o simples cheiro de um bacon fritando é capaz de provocar. Impossível imaginar uma existência sem tal prazer.
Estou assustada. Vai chegar um dia em que o sujeito sai pra tomar uma cerveja e leva uma barra de cereais.
E nos fins dos tempos, que pelo visto está próximo, o chope será substituído pelo chá verde. Com acelgas em conserva para acompanhar.
O ser humano se transformará numa raça esquálida e esverdeada. E a terra será dominada por vaquinhas e boizinhos, que serão nossos amigos.

VASTO MUNDO
Maria Valéria Rezende
A moça chegou do Rio. Logo se vê... tão alvinha! Saiu daqui miúda, não diferenciava em nada das outras meninas da escola municipal. Foi o padrinho que a levou. Voltou essa moçona. Veio passar o São João. No meio das outras moças, na frente da igreja, ela agora diferencia até demais. O vesti¬do bonito, mais altura, as unhas compridas e vermelhas, movendo os braços, dando voltas e requebros enquanto fala. E fala sem parar. As outras, mais matutas ainda junto dela, são apenas moldura para o quadro. Para os olhos de Preá, nem moldura. Não existem. Não existe mais a igreja, a praça, a vila, nada. Só a moça.
Preá... outro nome não tem. Quem poderia dizer era a velha, mas morreu sem que ninguém se lembrasse de perguntar. Para a maioria do povo de Farinhada, hoje parece que ele esteve sempre ali, que sempre foi assim, uma coisa da vila como a igreja, a ponte sobre o riacho, os bancos de cimento da pracinha. Mas alguém se lembra: chegou um dia com a velha que chamava de avó, meio cega, meio mouca, meio fraca do juízo. O menino, não se sabe que idade tinha... alguma coisa entre oito e treze anos. Quem pode saber? Fraquinho, enfezadinho como todo filho da miséria. Disseram que vinham do Juá. Qualquer canto da Paraíba tem rua, fazenda, sítio com esse nome. Também, ninguém perguntou muita coisa: uma velha perto de morrer e um menino vivendo só de teimoso...
Neco Moreno deixou ficar nos restos da casinha de taipa e palha, no canto do sítio dele, já bem junto do arruado. Preá amassou barro, tapou os buracos, pediu palha daqui e dali, vivia ajeitando o telhado. Continuou sempre assim, aquele capricho com a casa, alisando as paredes, reparando rachaduras, até caiação... Preá faz tudo sozinho, sempre fez tudo sozinho.
Preá não sabe que coisa é esta acontecendo dentro dele. Começou quando bateu com os olhos na moça. Uma queimação dentro do peito, uma nuvem na vista que esconde tudo que não é a moça, os ouvidos moucos para tudo o que não seja a voz dela e um sentimento que parece tristeza, mas não é. Pelo menos não é daquela tristeza de quando a avó morreu nem de quando o cachorro sumiu. Preá não sabe o que é. Doença também não é, que muitas vezes ele ficou doente e era coisa diferente. Pode ser o juízo enfraquecendo. O povo já diz que ele é fraco do juízo, igual à avó. Agora ele está ficando também cego e mouco, igual à avó. Igual não. É diferente, diferente de tudo o que ele conhece.
A morte da avó mudou pouca coisa na vida de Preá. A tristeza que lhe deu, de pouco em pouco foi se acabando. De noite, sozinho, a casinha parecia maior e mais vazia, por uns tempos. No mais, ficou tudo igual, só que não precisa mais levar a lata de comida para casa. Encosta na porta da cozinha de qualquer um, recebe o prato com o que vier, come ali mesmo, "obrigado, dona, até amanhã". Desde o começo houve uma espécie de contrato, nem escrito nem falado, entre Preá e o povo de Farinhada. O menino fazia qualquer serviço que pudesse, para quem pedisse, sem botar preço e nem receber pagamento. Do outro lado, nin¬guém lhe negava um caneco de café, um prato de comida, uma roupa velha OU. quando ficou maiorzinho, uma dose de cana ou uma carteira de cigarro barato. Bom como ninguém para fazer mandado que tenha pressa, levar recado urgen¬te, levar pacote, buscar a ferramenta ou o carretei de linha que falta para terminar um trabalho. Foi crescendo, aprendendo outros serviços, artes, muita coisa pode-se pedir a ele. O contrato com o povo continua o mesmo. Preá, fiel, sempre na pracinha ou na rua do meio, ao alcance de um grito. Quando não tem serviço, encosta-se na parede... espera. Jamais sai da vila. Sua casinha na ponta da rua é o limite do mundo. No mundo rural de Farinhada, Preá é urbano, da parca urbanidade da vila.
O dia de Preá, que começa quando a barra do dia raia por cima da Serra do Pilão, vira de novo noite quando a moça aparece na praça, manhã alta. É como estar dormindo e sonhando coisa nunca vista, beleza nunca imaginada. Muitas vezes já não ouve quando gritam por ele, já não vê quando lhe acenam, já não fica encostado na parede da bodega esperando chamado, perde-se a caminho dos mandados, engana-se nos recados. Perdeu todos os rumos, menos o da moça. No rumo dela desvia-se de todos os caminhos, vai cada dia mais longe de tudo, mais perto dela. Já se começa a comentar na vila que Preá não é mais o mesmo. "Está ficando mais leso, preguiçoso, esse menino..."
A moça lá no banco da praça, debaixo do jambeiro, cercada pelas outras que querem ser como ela, falando, gesticulando, mostrando-se. Os rapazes voltam mais cedo do roçado, banham-se, perfumam-se, vestem a roupa do São João e vão vê-la na esperança de serem vistos. Preá não teve roupa nova no São João, por fora é o Preá de sempre, por dentro só a luz da moça. Preá, mariposa, chega cada dia mais perto do jambeiro, mais perto dela. No princípio ninguém notava o menino ali parado, os olhos presos na moça alva. Ele tem a invisibilidade das coisas que sempre estiveram presentes. Mas quando Dona Inácia se cansou de chamar por ele, sem resposta, foi que toda a gente viu: "Preá está lá, feito besta, olhando pra moça." "Eh, Preá, está gostando da carioca? Olhe só, Leninha, Preá está louco por você. Quer namorar, Preá?" E o coro: "Preá apaixonado! Preá apaixonado!" Ela achou graça, fez sinal: "Vem cá, meu bem, senta aqui perto de mim." Ele foi, levado pelo vento, pelo olhar... pelas pernas não foi, que não as tinha mais, nem braços, nem corpo, só os olhos e o coração feito zabumba. Não ouviu os gritos, o riso, a mangação. Viu a moça olhando para ele, rindo para ele, a mão macia no joelho dele. "Se você gosta mesmo de mim, Preá, vou namorar com você. Só com você e mais ninguém. Mas tem que fazer uma coisa pra mostrar que gosta mesmo de mim: domingo quero ver você subir até na ponta da torre da igreja e me jogar um beijo lá de cima."
Farinhada toda já sabe do amor de Preá e da exigência da moça. Apostam que ele sobe, que ele não sobe. A torre da igreja é alta e fina como uma agulha, como as da terra do padre Franz, que a mandou fazer. Dona Inácia diz que é maldade da moça, diz a Preá que não suba. Mas o povo espera o domingo com mais interesse do que o clássico jogo de sábado contra o Itapagi Esporte Clube. "Preá é leso, vai subir mesmo..." Erlinda está fazendo coxinhas para vender na praça durante o acontecimento. Disseram que vem um caminhão de gente do sítio Ventania só para ver.
Preá não viveu quinta, nem sexta, nem sábado. Nada viu, nada ouviu, nem dormiu, nem acordou. Pairou desencarnado em alguma dimensão misteriosa. Voltou ao mundo com o badalar do sino. Não vê a praça enchendo-se de gente, os gritos, assobios e aplausos. Sobe, para cima, mais para cima. Não sente as palmas das mãos escalavradas, não sente as plantas dos pés em sangue, não tem medo. Preá é leve, forte, pode tudo, tem asas. Mais, um pouco mais... lá em cima, a moça, o beijo. Não percebe que aos poucos a praça silencia, tensa, admirada. Agora, mais um pouco e sua mão toca a cruz, agarra-se. Preá respira todo o ar do mundo e olha: lá embaixo o carro preto, a mala, a moça acenando. Só quando o carro que leva a moça desaparece ao longe, numa nuvem de poei¬ra, é que o olhar de Preá, liberto, encontra o horizonte. Lá de cima passeia, vaga. vê. E Preá descobre que vasto é o mundo.

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"Minha teoria é simples. Meu sentir é exagerado. Me jogo, me lasco, me entrego, me esfolo inteira. Melhor do que viver pela metade. Amar pela metade. Acreditar pela metade. Pra tombo há remédio, há refazer. Pra sonho desperdiçado, não."




A SEMPRE UM RESTO DE PERFUME UM TRAÇO DE BELEZA ANTIGA...
a significação é invisivel, mas o invisivel não esta em contradição com o visivel .o visivel tem uma estrutura interna invisivel, e o invisivel é o contraponto secreto do visivel
as pessoas sempre descobre seu próprio mistério a custa de sua inocência..........

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